CARLOS ALBERTO DAVID DOS SANTOS
COMANDANTE-GERAL DA POLÍCIA MILITAR DO MATO GROSSO DO SUL
DE CAMPO GRANDE (MS)
Venho
a público repudiar o artigo do professor da USP Vladimir Safatle
intitulado "Pela extinção da PM", em solidariedade e respeito a todo o
trabalho que vem sendo desenvolvido pela Polícia Militar do Estado de
São Paulo.
O
autor deixa visíveis sinais de que desconhece completamente a prática
policial no seu cotidiano e a importância das polícias militares para o
Brasil, em especial para o Estado de São Paulo --com 41 milhões de
habitantes distribuídos em 645 municípios, ordenados por pouco mais de
100 mil policiais militares que diuturnamente arriscam suas vidas para
garantir a vida e a integridade física e moral de outras pessoas.
Sabemos
que a generalização de fatos, opiniões e julgamentos é responsável por
inúmeras e irreparáveis injustiças. Certamente a Polícia Militar do
Estado de São Paulo, como toda e qualquer instituição pública ou
privada, tem aqueles que não honram e não cumprem os deveres
estabelecidos e que, obviamente, precisam ser identificados e ter a
eles atribuídas as responsabilidades de seus atos indevidos, ilegais,
imorais e ilícitos.
Mas
é injusto resumir todo o trabalho de uma instituição ao ato indevido
de alguns de seus membros. Se a práxis fosse a de extinguir-se toda
instituição que tivesse pelo menos um de seus integrantes envolvidos em
atos não condizentes com a conduta ideal prevista, certamente nenhuma
instituição brasileira permaneceria de pé, porque são compostas por
seres humanos, passíveis de erros.
Os
erros existem, precisam ser reparados, corrigidos, os responsáveis,
punidos, mas as instituições e suas histórias precisam ser preservadas e
respeitadas. Não se pode macular a imagem da Polícia Militar do Estado
de São Paulo --que ano após ano serve ao povo paulista-- por atitudes
isoladas de alguns de seus membros.
Tampouco
se pode fomentar irresponsavelmente, em razão de episódios pontuais, a
extinção de uma instituição dessa magnitude, sob pena de estar
penalizando a própria sociedade, plantando nela o receio de se ver órfã
de um de seus maiores aliados frente à criminalidade.
É
bom que se esclareça definitivamente o que o Conselho Nacional de
Comandantes-Gerais já o fez em tempo oportuno. A ONU, em momento algum,
sugeriu a supressão das polícias militares do Brasil; o que houve foi
uma interpretação errônea da Minuta do Relatório do Grupo de Trabalho
do Conselho de Direitos Humanos, do Alto Comissariado de Direitos
Humanos da ONU, sobre a Revisão Periódica Universal referente à sua 13ª
sessão, divulgado em 30 de maio de 2012.
A
recomendação da ONU propõe, na verdade, que o governo brasileiro
trabalhe para abolir um dito sistema separado de Polícia Militar. Tanto
é verdade essa interpretação que o mesmo documento recomenda ao Brasil
que estenda a outros Estados da Federação a experiência do Rio de
Janeiro de Unidades de Polícia Pacificadora, integrada por policiais
militares. A excelência de uma polícia de natureza militar é atestada
pela ONU quando ela, há anos, se vale de policiais militares
brasileiros para treinamento de forças policiais estrangeiras em países
em estabilização após guerras.
Naturalmente,
concordamos que mudanças são necessárias para as instituições da
segurança pública. Neste sentido, as polícias militares, de um modo
geral, têm empreendido um grande esforço na busca incessante pela
qualidade dos serviços prestados, especificamente a Polícia Militar do
Estado de São Paulo, que sempre serviu de exemplo para outras unidades
do país, especialmente no que se refere à produção de conhecimentos
técnicos e procedimentos práticos de natureza policial condizentes com
os princípios dos direitos humanos, isso sem falar no seu criterioso
processo de seleção e treinamento.
Ao
contrário do que o professor Vladimir Safatle afirma no seu artigo,
vivemos um processo de plena democratização da segurança pública. Outra
demonstração clara do franco processo democrático que vivem as
polícias, especialmente as militares, são os modelos de polícia
pacificadora ou de polícia comunitária implantados por todo o país e
que se estrutura na efetiva participação social nos rumos da segurança
pública. Parece que os resquícios deixados pelo período ditatorial
estão muito mais presentes na mente do professor do que na prática da
Polícia Militar do Estado de São Paulo, que é uma instituição
respeitada não só por outras instituições policiais como também pela
sociedade paulista.
O
Censo trouxe, sim, uma avaliação que precisa ser exaustivamente
analisada por todas as instituições policiais do Brasil, porque trazem
dados que apontam uma exigência cada vez maior da população em relação
às suas polícias, mas que, em momento algum, indicam a necessidade de
extinção de qualquer uma delas.
Não
podemos negar que o Brasil colhe os frutos amargos de uma de suas
piores omissões ao longo da história, a falta de investimento e
valorização da segurança pública. Hoje, a sociedade brasileira,
representada por suas instituições, começa a compreender que todos os
flagelos sociais não administrados deságuam na segurança pública,
gerando formas variadas de violência e, muitas vezes, resultando num
aumento desproporcional da criminalidade.
Por
outro lado, a sociedade vem compreendendo que, num Estado democrático
de Direito, não há que falar em uma política séria e eficaz de
segurança pública sem que haja a integração e a articulação das
diferentes políticas públicas e sem o combate eficaz à corrupção, à
desigualdade social e à distribuição de renda.
A
PM de São Paulo, como todas as outras do país, é, sem sombra de
dúvida, a instituição governamental mais próxima da sociedade paulista,
especialmente das comunidades menos assistidas pelo poder público,
acumulando cerca de 43 milhões de atendimento emergenciais, sendo
testemunha de carências humanas mais elementares e estando ao lado do
povo em seus momentos mais críticos.
Por fim, resta-me uma intrigante pergunta: a quem interessaria o enfraquecimento das instituições policiais do Brasil?
Fonte: 1.folha.uol.com.br