MP apura maus-tratos em treinos da PM, de militares e agentes pelo país

Negligência e desvios de conduta estão entre as causas dos abusos.
Denúncias recentes de excessos foram feitas em cursos de SP, RJ e ES.



O Ministério Público investiga casos de maus-tratos em cursos militares e de outros servidores públicos pelo país após três casos repercutirem nas últimas semanas, gerando discussões sobre a necessidade de treinamentos em que haja risco à saúde física ou mental do participante.

Em São Paulo, cenas de violência foram flagradas em um batalhão do Exército. No Rio de Janeiro, o concurso para sargentos da Polícia Militar foi cancelado após candidatos passarem mal devido ao sol forte durante as provas. E no Espírito Santo, futuros agentes penitenciários foram confinados em um camburão com gás lacrimogêneo, que só deve ser usado em locais abertos (leia mais abaixo).

O procurador militar Alexandre Reis de Carvalho diz que, entre os fatores que acabam levando a excessos, abusos e maus-tratos em cursos desse tipo, estão: o objetivo de buscar o realismo de situações da profissão, desvios de conduta ou de personalidade, excesso de iniciativa dos instrutores, problemas relacionados à hierarquia e negligência.

“Trabalhamos com dois tipos de cenários em que estes excessos acontecem: um controlado, como nos cursos de tropas especiais, em que o risco é maior, mas há planejamento, e outro clandestino, em que há exposição desnecessária de risco à saúde física ou mental”, explica o procurador.
Segundo o Código Penal, é crime cometer maus-tratos em treinamentos do tipo, e o responsável pode ser condenado à prisão – a pena varia de 2 meses a 12 anos, conforme a gravidade do caso.

Mudanças
Em relação aos cursos militares, Carvalho entende que nos treinamentos em que há risco, como no caso das tropas especiais, a participação deve ser voluntária.

Além disso, o Ministério Público Militar quer que, nestes ambientes, a relação hierárquica seja humanizada. “Saímos do tempo em que ser autoridade era ser autoritário.”

Até os últimos 30 anos, segundo o procurador, as academias e escolas de treinamento de tropas especiais consideravam um fator chamado "taxa de atrito", que prevê que, "para cada treinamento, vai ter uma baixa" – uma desistência ou um problema grave.

"É entendível se pensar que, para cada combate, pode haver uma baixa. Mas não para cada treinamento. Este pensamento vem mudando desde a nova Constituição. O Brasil está amadurecendo, e se entende que deve haver respeito aos direitos fundamentais do cidadão, seja ele com farda ou sem", explica o procurador Carvalho.

Violência em SP
Agressões, chutes, socos e tapas estamparam cenas fortes de um treinamento flagrado em maio no 4º Batalhão de Infantaria Leve do Exército de Osasco, na Grande São Paulo (veja vídeo).

O Comando Militar do Sudeste disse que esse tipo de treinamento não condiz com os regulamentos e manuais militares e indiciou dois aspirantes a oficial e um cabo no caso.

“Qual é a finalidade de um treinamento deste tipo, com agressão física? É difícil entender e verificar a necessidade para uma tropa comum, que não é um militar que vai para a guerra ou participará de ações especiais, de passar por aquilo, que está fora do planejamento do treinamento”, questiona o procurador militar.

Segundo Alexandre Reis de Carvalho, são comuns denúncias de abusos em cursos especiais, principalmente por parte dos familiares de alunos. O Ministério Público Militar abriu até um canal por telefone (0800 021 7500) para denúncias..

Insolação em concurso no RJ
No Rio de Janeiro, o Ministério Público Estadual está acompanhando um inquérito policial militar aberto pela Corregedoria da Polícia Militar para apurar problemas em uma prova que reuniu 11 mil candidatos a soldados e sargentos no Centro de Recrutamento e Seleção de Praças no último domingo (7).

Expostos ao sol, alguns desmaiaram e reclamaram de condições ruins. Houve também denúncias de irregularidades que levaram ao cancelamento do concurso

O Comando da Polícia Militar admitiu que houve falhas na fiscalização durante a prova, além da inadequada exposição ao sol de alguns candidatos.

Em novembro de 2013, após um recruta morrer no mesmo local durante um treinamento que provocou morte cerebral, insolação e queimaduras, o secretário de Segurança do Estado, José Mariano Beltrame, admitiu “excesso” dos instrutores, e o caso foi apurado como homicídio.
Em março deste ano, outro soldado morreu durante uma corrida. O inquérito ainda está em andamento, e a promotoria militar do Rio pediu novas diligências.

“O treinamento de alguns cursos, como de tropas especializadas, buscam levar o candidato ao limite psicológico e físico, mas sem expor a um risco de saúde, não há necessidade de isso", defende o ex-comandante da Tropa de Choque da PM de São Paulo, coronel Carlos Celso Savioli.

"Você pode levar a pessoa a um limite para mexer com o conforto pessoal, mas há um limite que se deve prever para não expor ao risco. A coisa mais importante é o material humano”, acrescenta o coronel.

Lacrimogêneo no camburão
Já no Espírito Santo, alunos de escola para agentes penitenciários ficaram trancados dentro de um carro tendo de aguentar alta carga de gás lacrimogêneo. A secretaria de Justiça instaurou uma sindicância para apurar abusos, mas o titular da pasta, Eugênio Ricas, já se adiantou, afirmando que "a princípio, não houve excesso".


“O primeiro limite destes cursos é o risco zero à integridade física. É essencial que os profissionais passem por treinamento com gás. Eu não quero que um PM ou agente entre em pânico em uma situação assim. Mas nunca se usa gás em ambiente confinado: alguém pode entrar em desespero e se jogar pela janela ou provocar tumulto”, diz José Vicente.

A recomendação da Condor, fabricante de gás lacrimogêneo no Brasil, é que “o material operacional do gás deve se dar em ambientes abertos e seus efeitos cessam em 20 minutos, sem qualquer risco à saúde quando utilizado dessa forma”. A fabricante diz que não pode determinar padrões para os treinamentos dos agentes da lei.


Fonte:G1
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