"O governo do estado radicalizou com os servidores"...

Edição de domingo, 29 de maio de 2011
Entrevista >> Fernando Mineiro

Allan Darlyson // allandarlyson.rn@dabr.com.br


Um dos principais críticos da gestão da governadora Rosalba Ciarlini (DEM), o deputado estadual Fernando Mineiro (PT) apontou, em entrevista a O Poti/ Diário de Natal, que falta diálogo do governo com as categorias para resolver o problema das greves dos servidores estaduais. "Se o governo não pode apresentar e cumprir a totalidade dos planos (por causa da Lei de Responsabilidade Fiscal), tem que apresentar uma contraproposta, um calendário de pagamentos. Agora, radicalizar e chamar a greve de inócua, de inútil cria uma situação difícil", analisou o petista. Mineiro disse ainda que a verdadeira dívida que a governadora encontrou para pagar com recursos próprios do estado é de R$ 155 milhões e não R$ 812 milhões, como o governo divulgou. O parlamentar se posicionou ainda contra a reeleição da mesa diretora da Assembleia Legislativa (AL). Para ele, a reeleição representa o "congelamento político" da Casa.

Pelo menos sete categorias dos servidores estaduais estão em greve, reivindicando o cumprimento dos planos de cargos e salários. Como o senhor avalia esse momento?

Eu primeiro acho que o governo radicalizou duramente com os servidores públicos, criou uma situação de falta de diálogo, de distanciamento, o que gerou a reação do conjunto de servidores. O governo que agora está à frente do Rio Grande do Norte criou uma expectativa no ano passado. Não disseram, durante o processo eleitoral, que não iriam cumprir os planos. Eles criaram uma situação negativa em relação a uma reivindicação legal dos servidores. É preciso que se diga que o governo tenta passar uma imagem para a população de que todos esses planos foram aprovados no ano passado, o que não é verdade. O plano da educação foi implantado em 2005. E existe uma luta para cumprir o piso nacional. O plano da saúde também é de 2005. O plano da Polícia Civil é de 2004, tendo modificação em 2010. Os planos de 2010 atenderam às categorias não contempladas anteriormente. Então, não havia nenhuma lógica em dizer que não se conhecia os planos de cargos e salários. O governo entrou numa posição de muito radicalismo com os servidores.

O governo argumenta que não pode implantar os planos de cargos e salários reivindicados pelas categorias porque isso implicaria na desobediência à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). O senhor considera o argumento válido?

O governo tem que publicar o relatório quadrimestral, que ainda não fez. Se o governo não pode apresentar e cumprir a totalidade dos planos (por causa da LRF), tem que apresentar uma contraproposta, um calendário de pagamentos. Agora, radicalizar e chamar a greve de inócua, de inútil cria uma situação difícil. Já tentamos fazer da Assembleia um veículo de intermediação, mas não tem eco do governo. As reivindicações dos servidores são legítimas. O governo é que está radical. É preciso buscar uma intermediação entre as partes.

Argumentando que está em crise financeira, a governadora Rosalba Ciarlini (DEM) enviou um Projeto de Lei para a Assembleia Legislativa (AL) que pede autorização para renegociar as dívidas encontradas pela atual gestão. O senhor é a favor da aprovação dessa mensagem?

Eu chamo o projeto de pró-calote. Na verdade, o governo criou outra situação de disputa na opinião pública. Inicialmente, em novembro do ano passado, dizia que a dívida chegava a R$ 2 bilhões. Depois, baixou para R$ 1,5 bilhão. Em seguida, R$ 1 bilhão. Até que no discurso de posse ela anunciou a dívida de R$ 812 milhões. A análise que fiz é que boa parte das dívidas não tem a ver com recursos próprios do Estado. Eles colocaram como dívida, por exemplo, a obra do contorno de Mossoró, que é federal. Colocaram cerca de R$ 80 milhões de dívida de pessoal, algumas até da época que José Agripino (DEM) era governador. Eles juntaram vários tipos de dívidas. Mas, de recursos próprios mesmo, o débito fica entre 155 e 160 milhões de reais. É o que eu pude apurar. Mas precisamos nos aprofundar. Se formos observar, boa parte da dívida é com pequenos e médios fornecedores. Daí o governo vem pedir para renegociar. Como assim renegociar? Isso é dar um cheque em branco para o governo. Como vai renegociar dívida do governo federal? De salário de servidores? Como será essa renegociação. O projeto tem dois ou três artigos e pede uma carta branca para esse processo.

Então o senhor é contra o projeto?

Sou contra sim. Já me manifestei inclusive sobre isso. Acho que os deputados como um todo estão se questionando, pois não há uma abertura, um diálogo sobre essa discussão.

Após analisar o detalhamento das dívidas do governo, o senhor chegou a que conclusão?

Da dívida calculada pelo governo, de R$ 812 milhões, o relatório que eu recebi aqui foi de R$ 705 milhões. Os outros R$ 100 milhões ele disse que era contrapartida da Caern e não mandou nada. Classifiquei as dívidas por fontes. De convênios, deu R$ 147 milhões. De empréstimos, deu R$ 47 milhões. De recursos próprios, deu R$ 155 milhões. As outras fontes somam R$ 273 milhões. E R$ 84 milhões correspondem às dívidas com pessoal, que vem de 1993, da época de José Agripino.

O governo anterior fez um empréstimo ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN) para pagar a folha de pessoal e o governo atual mandou um projeto para a Assembleia no intuito de criar uma lei que autorizasse o pagamento. Se foi preciso uma lei para pagar, o empréstimo foi ilegal?

Eu acho que não foi, pois não acredito que o Tribunal de Justiça iria se envolver em um processo ilegal. Acho que foi a condição que o governo exigiu para pagar ao tribunal. Se tivesse tido ilegalidade, não era para o governo ter recorrido? Engraçado, o governo cria uma lei para poder pagar ao TJ, mas, ao mesmo tempo que tem lei que respalda a o pagamento aos servidores, ele não cumpre. Então, acho desigual. O governo precisa ter uma atitude mais uniforme. O governo mostra que tem um estilo, que é de um grupo centralizador, muito autocrático. Os questionamentos não são ouvidos. É um comportamento que destoa do tempo em quevivemos, onde a sociedade se posiciona, cobra, exige e acompanha. É destoante da atual sociedade.

Na avaliação do senhor, o governo tem caixa e orçamento para pagar os planos de cargos e salários sem descumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal?

Orçamento tem. Até porque existe a possibilidade de suplementar em 15% e a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) fala que, em relação ao pagamento dos servidores, não é preciso respeitar o limite da suplementação. A questão é financeira. O governo aumentou a arrecadação em relação ao ano passado. Arrecadou mais recursos próprios do que no ano passado, cerca de 15% a 20% a mais. E mesmo que o governo não tenha condições financeiras de cumprir de uma vez só todos os planos, tem que apresentar um calendário. Não pode dizer: não posso, não quero, não vou. O governo diz na propaganda, que foi muito ágil, que está reconstruindo e fazendo acontecer no estado e ao mesmo tempo não está. Fica algo fora de foco. A propaganda foi muito mais rápida do que a vida, a realidade.

Osservidores reclamam que enquanto eles não recebem seus direitos o governo prometeu R$ 8 milhões para ajudar os clubes de futebol do estado. Como o senhor analisa essa situação?

Olha, tem que ver o sistema do governo. Eu não faço esse debate maniqueísta de não pode fazer isso ou não pode fazer aquilo. O governo fez uma escolha. Inclusive uma opção que é investir na questão da publicidade, da propaganda e minimamente responder às reivindicações dos servidores.

A reeleição para a mesa diretora Assembleia Legislativa foi derrubada pela Casa em 14 de dezembro do ano passado. No entanto, já há um movimento trazer essa prerrogativa de volta. O senhor se posicionará a favor ou contra a reeleição, se um novo projeto mudando as atuais regras for apresentado?

Eu sou contrário à volta da reeleição para a mesa diretora da Assembleia. Não por uma questão de princípios, mas pelo entendimento que a volta da reeleição é a volta do congelamento político. A possibilidade de reeleições infinitas, que é disso que se trata, congela a política, o debate, a relação do Executivo com o legislativo. Daí surge um problema. Não faz com que apareçam novas referências, democratize e pluralize. Então, sou totalmente contrário. Espero que não passe. Isso é totalmente ruim. Uma discussão, um debate para tratar da reeleição da mesa não pode ser uma discussão que seis meses depois tenham o entendimento modificado. Sem a reeleição, a Casa fica mais plural. É bom o rodízio. Não é uma questão de princípios. É uma questão de entendimento político. Portanto, sou contra a reeleição e espero que não prospere.

Deputado, a Assembleia Legislativa (AL) do Rio Grande do Norte já realizou mais audiências públicas neste ano do que em todo o ano passado. No entanto, poucas das audiências possuem resultados práticos. O que o senhor acha dessa banalização das audiências públicas?

Eu lamento que alguém ache que discussão sobre qualquer tema seja banalização. Quem tem autoridade para dizer que debates sobre temas que envolvem o Rio Grande do Norte e o país são banalização? Eu discordo. Banalização é não discutir, não debater. Acho todo debate importante. As audiências representam demandas de grupos, de setores que têm que ter voz no poder legislativo. Acho que se tivéssemos audiências todos os dias seria ótimo. O que é ter resultado? Se fosse por isso iríamos dizer que governo não tem resultado, que prefeitura não tem resultado. Acho é bom que haja debate, com gente na Assembleia, cobrando de nós parlamentares. O debate em si já é um resultado. Essa desconsideração das audiências é um pensamento equivocado.

Fonte: Diário de Natal

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