“Matar alguém se tornou um vício”, diz policial em entrevista...



Por Estadão
 

Como era o serviço?
Movido pela revolta com a situação com que me deparei (favelas, meninas estupradas, pessoas pobres vítimas de roubo). Comecei a trabalhar além do horário normal, muito além das oito horas diárias. Comecei a prender todo mundo. Daí percebi uma outra realidade que também não conhecia. Muitas pessoas presas por mim e conduzidas ao distrito policial eram soltas. Numa ocasião, prendi duas pessoas em flagrante delito, por terem praticado roubo a um supermercado. Isso aconteceu pela manhã. A ocorrência foi apresentada no distrito policial, mas na mesma data, à noite, me deparei com essas duas pessoas livres, andando normalmente pelas ruas de um bairro. Estranhando a situação, realizei a abordagem em ambos, quando um deles disse que tudo estava certo e que a quantia em dinheiro destinada a mim estava com o delegado de polícia na respectiva delegacia, uma vez que houve um acordo para liberação deles. Nesse momento, percebi que a corrupção existente nos distritos policiais da área onde eu trabalhava gerava a impunidade dos delinquentes.
O que aconteceu em seguida?
Passei a frequentar velórios de policiais militares mortos em serviço. Certa vez, uma situação ocorrida num velório me causou revolta. Foi quando houve a condecoração e a promoção, por ato de bravura, de um cabo morto em serviço. Para mim, não havia sentido algum em prestar homenagens e honrarias a alguém morto, isso deveria ser feito em vida. A partir desse exato momento, tomei o lugar de Deus. O que significava que avoquei a condição de juiz supremo para mim. Eu é que decidiria quem deveria morrer. Eu era juiz, promotor e advogado. Levava a vítima para um matagal, concedia-lhe um minuto para oração e o sentenciava à morte.
Por que matava?
Em primeiro lugar, porque eu me sentia investido de autoridade para tal, no sentido de que podia fazer de tudo. Segundo, por causa da impunidade. Eu prendia as pessoas que, uma vez conduzidas ao distrito policial, eram soltas. Muitas vezes mediante pagamento de propinas aos membros da Polícia Civil. Terceiro, a revolta e o ódio que sentia pela situação com a qual me deparava no dia a dia do meu serviço e que não conhecia até então – extrema pobreza, violência de todo tipo, miséria. Quarto, a revolta com a morte de policiais militares, como se fosse alguém da minha família. Revolta até com a própria instituição, que dava valor ao policial somente naquele momento (depois da morte).
O que aconteceu então?
Matar alguém se tornou um vício. Contudo, não percebi que, com o tempo, o que enxergava de errado no outro não enxergava em mim mesmo. Não enxergava a impunidade em mim mesmo diante dos atos que praticava. Acabei sendo preso pela prática de homicídio.
Como foi isso?
Fui preso, acusado e condenado pela prática de homicídio a tiros e facadas. O fato ocorreu em um matagal e os corpos foram lá deixados sem serem enterrados, para serem localizados. No auge da prática do ato, senti que estava cheio de ódio e acabei descarregando tudo sobre o corpo da vítima. Tinha um sentimento de ódio generalizado, de tudo.
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