Itep enterrou 169 indigentes em 4 anos...

Igor Jácome - Repórter

Ao lado do túmulo oito da quadra quatro, no Cemitério do Bom Pastor II, jaz 01.1530.10/12. O número, impessoal, é a única identificação do ser humano que um dia teve nome,  personalidade e foi considerado alguém pelo Estado.  O indigente, se um dia foi registrado, permanece oficialmente vivo para a nação, apesar de descansar anônimo em uma vala coberta pelo mato desde meados de 2013.

Ao menos outras 168 pessoas, além desse indivíduo, foram inumadas pelo Instituto Técnico-Científico de Polícia (Itep) de 2009 até o primeiro trimestre deste ano, na região metropolitana de Natal. Os dados foram colhidos pela reportagem em consulta aos livros de registro dos cemitérios do Bom Pastor I e II, onde o município destinou espaços para o Itep colocar esser corpos. De acordo com o órgão, não existe controle de casos nas gestões anteriores.  
Rayane MainaraCemitério Bom Pastor é o que mais recebe corpos de indigentesCemitério Bom Pastor é o que mais recebe corpos de indigentes

São corpos que chegaram ao instituto sem qualquer documento, nem foram reclamados por parentes ou amigos durante longo período. Os dígitos usados para identificação são os mesmos do laudo pericial que apontou a causa da morte daquele homem ou mulher, bem como suas características físicas. Se um dia forem procurados por familiares, os restos mortais poderão ser reconhecidos através de fotos ou digitais. Com autorização judicial, ainda é possível fazer teste de DNA, a partir de amostras colhidas antes da inumação.

Ao assumir o comando do Itep, há três meses, a diretora Raquel Taveira  recebeu a informação que 20 corpos não identificados estavam no  pátio do necrotério à espera de uma destinação. Porém os técnicos encontraram 52 ossadas, algumas datadas de 2008. Outros 10 corpos estavam nas câmaras refrigeradas. “Foi necessária uma semana para contar, por causa da quantidade e do mau cheiro. Depois tivemos um mutirão de coleta de material genético para utilização na antropologia forense”, lembra a diretora. Alguns deles estraram em litígio pelo fato de famílias procurando entes queridos, terem solicitado exames de DNA para tentar reconhecer o corpo.

No início do ano, 38 ossadas foram guardadas em duplas, em “gavetas” localizadas nos muros do cemitério Bom Pastor II, tapadas com cimento. Outros quatro corpos foram enterrados no cemitério e outros quatro, no cemitério vizinho. A inumação de mais oito corpos deve ocorrer na próxima quarta-feira (30), segundo o coordenador de medicina legal do Itep, capitão Eudes Valério. “Eles passam por toda a perícia, recolhimento do material, medição de altura, e todas as demais características”, explica. 

 Os enterros ocorrem em valas abertas na terra, onde não há qualquer marcação posterior. O corpo é colocado na cova, envolto por um saco, coberto pela terra, onde o mato cresce em seguida. Ali e fica invisível ao visitante. A administração os encontra de acordo com a localização dos túmulos aos quais se avizinham. “Ao lado da cova oito, quadra quatro”, como no caso da pessoa citada no início desta reportagem, por exemplo.

O coordenador de cemitérios públicos da Secretaria Municipal de Serviços Urbanos (Semsur), Kellington Gama, conta que periodicamente recebe requisições do Itep solicitando os espaço para inumações. “Quando é preciso exumar, ou outro procedimento, eles também nos informam tudo. Temos espaço suficiente para atender essa demanda”, declara. 

Funcionário do cemitério do Bom Pastor I há cerca de 20 anos, o administrador do local, Jurandir Soares, disse que poucas vezes viu uma família procurar alguém enterrado sob estas circunstâncias. “Acho que umas duas vezes”, coloca o homem, que acostumou-se a lidar diariamente o com o fim de todo o ser humano.
Tribuna do Norte
Postagem Anterior Próxima Postagem