Combate a facções em presídios no RN já soma 161 denunciados, diz MP

Combate a facções em presídios no RN já soma 161 denunciados, diz MP


SO Ministério Público do Rio Grande do Norte ofereceu mais uma leva de denúncias acerca da Operação Alcatraz, deflagrada no início do mês. Nesta segunda-feira (22), nomes de 64 pessoas foram encaminhadas à Justiça como suspeitas de crimes de tráfico de drogas, associação para o tráfico e organização criminosa – todas elas, segundo as investigações, associadas com duas facções que estariam ditando regras e comandando diversos crimes de dentro dos presídios do estado. Presos que estão detidos em São Paulo, Paraná e Paraíba também são investigados como membros e líderes das facções.

 No último dia 9 já haviam sido denunciadas outras 97 pessoas. Com isso, as investigações apontam, até o momento, o envolvimento de 161 pessoas com o crime organizado no Rio Grande do Norte. As denúncias oferecidas nesta segunda foram encaminhadas às varas criminais das comarcas de Currais Novos, na região Seridó do estado, e Nísia Floresta, na Grande Natal.

A Operação Alcatraz foi deflagrada no dia 2 deste mês e cumpriu 223 mandados de prisão em 15 cidades potiguares e também nos estados da Paraíba, Paraná e São Paulo. Destes, 154 foram contra pessoas que já estão encarceradas.

O MP acrescenta que parte das denúncias abrangem investigados que atuavam no tráfico de entorpecentes nas cidades de Currais Novos, Santa Cruz, Lagoa Nova, Acari, Cruzeta, Parelhas, São Vicente, Jardim do Seridó, Caicó e Jardim de Piranhas. Também foram identificados fornecedores, que abasteciam com drogas a região Seridó a partir de 'bocas de fumo' que funcionavam em Natal, nos bairros das Quintas, Felipe Camarão, Potengi e da Nossa Senhora da Apresentação, além de outros pontos de venda de drogas no bairro de Passagem de Areia, em Parnamirim, e Novo Amarante, no município de São Gonçalo do Amarante.

O elo com os presídios também é constatado. Segundo o inquérito, “permanecendo alguns investigados, mesmo presos, comandando o tráfico de drogas com a participação de parentes ou outras pessoas, especialmente viciados, que passam a atuar como 'gerentes', 'mulas' ou 'aviões'. Também foram identificados cinco adolescentes em situação de violação de diretos e exploração. Em uma das situações, uma mulher investigada estaria utilizava a própria filha, uma garota de 16 anos, para traficar.

Somadas as penas dos crimes de tráfico e associação para o tráfico, com qualificadoras, os denunciados podem pegar até 25 anos de prisão.

Outra parte das denúncias abrange investigados que integram e promovem uma das organizações criminosas, intitulada Sindicato do RN. A facção, que de acordo com o Ministério Público atua dentro e fora do sistema penitenciário, tem a característica de ser estruturalmente ordenada pela divisão de tarefas. “O objetivo é obter vantagem pecuniária, mediante a prática de crimes patrimoniais, tráfico de drogas e homicídios”, revela a denúncia.

Facções
Segundo o MP, duas facções dominam os presídios potiguares. Ambas, ainda de acordo com as denúncias, surgiram a partir de uma organização criminosa que nasceu em São Paulo. No dia 7 o 'Fantástico' exibiu gravações que mostram como esta facção vende drogas no Nordeste.

As denúncias feitas até agora apontam a existência de organizações criminosas dentro do sistema penitenciário estadual desde 2003. Na ocasião, "diversas fontes" relataram ao MP a existência de uma facção dando as ordens na Penitenciária João Chaves, na Zona Norte de Natal. Desativada em 2006, a unidade ficou conhecida como "Caldeirão do Diabo".

Monopólios
O MP revela que a investigação foi aprofundada com as provas obtidas por diversos meios, inclusive apreensões de documentos nas unidades prisionais. O trabalho aponta que, além de planejarem crimes dentro e fora dos presídios, os integrantes das organizações criminosas compartilham conhecimento e buscam construir dois tipos de monopólio.

O primeiro, chamado de "monopólio de oportunidades", trata principalmente do comércio ilegal dentro das próprias unidades prisionais, o que acontece "por meio da força, prioridade ou exclusividade aos que integram a organização criminosa". Já o segundo, é o "monopólio do poder político", com obediência às normas e às formas de conduta instituídas pela organização dentro dos presídios. As regras incluem a definição de transgressão, acusação dos transgressores e a correspondente punição.

O MP acrescenta que os monopólios visam "criar uma estrutura paralela ao Estado". O controle dessa estrutura permite a expansão de poder dos grupos de dentro para fora das prisões, "gerando o controle de territórios". Desse domínio fora das unidades prisionais, viria o controle do tráfico de drogas nas ruas.

As investigações ainda atestam que o tráfico de drogas se constitui como a atividade que arrecada receita corrente e os assaltos funcionam como espécie de receita de capital, com uma atividade financiando a outra. "Quando ocorrem grandes apreensões de drogas, por exemplo, se intensificam os assaltos para compensar os prejuízos", acrescenta.

Atrelado ao tráfico de drogas, outro crime é atribuído aos integrantes das facções, como o roubo a bancos, atividade capaz de trazer poderio financeiro. “As atividades criminosas de tráfico de drogas e de roubo a banco geram uma considerável quantia em dinheiro que precisa ser inserida no mercado formal. Para que esta internalização de recursos ocorra é praticada um novo crime, a lavagem de dinheiro através da ocultação ou dissimulação da natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, do e tráfico de drogas e de roubo a banco”, explica.

Mensalidade e rifa
As investigações também revelam que as facções não sobrevivem apenas do comércio de drogas e assaltos. O G1 teve acesso a documentos que fundamentam as denúncias feitas pelo Ministério Público. Além de rifas baseadas em jogos da loteria federal, cada membro é obrigado a pagar mensalidades que custam R$ 400. A cota é chamada de 'cebola'. O termo é usado pelo fato de o membro não querer pagar o valor estipulado. Por isso ele 'chora' ao desembolsar a quantia, assim como quando se corta uma cebola.

Um dos anexos da denúncia traz extratos de uma conta bancária que foi identificada pela Justiça - e já bloqueada - como pertencente a um dos membros da facção. Nela, constam vários depósitos de R$ 400. Os valores são equivalentes, segundo as investigações, ao pagamento das mensalidades, as chamadas 'cebolas'. O extrato mostra a quebra do sigilo no dia 28 de maio deste ano até o dia 20 de junho. No dia 11 de junho, o saldo chegou a quase R$ 35 mil. No mesmo dia foi feito um saque no valor de R$ 20.900 na boca do caixa, seguido de depósitos variados, a maioria também no valor de R$ 400.

 Telecoferência
Em uma das teleconferências interceptadas pela Justiça, participam 10 presos. Um deles, identificado como Milenium, cumpre pena na Penitenciária de Catanduva, no Paraná. Os demais atendem pelos apelidos de Boy, Iran, Batera, Oié, Miguel, Japonês, DG, Das Arábias e Tony Country. Em determinado momento, Milenium fala das mensalidades que devem ser pagas e de um dinheiro que já está no caixa, cintando uma quantia de R$ 20 mil que seria usada para a aquisição de armas. Milenium frisa que os membros da facção que estão nas ruas têm que se unir, “pois as peças vão chegar para auxiliar, correr atrás da moeda, meter assaltos, com responsabilidade". Ele fala que serão designados irmãos (membros) da Paraíba, de Pernambuco e até 'da terra da garoa', se referindo a São Paulo.

Milenium diz também que, “quem estiver procurando a sintonia, plugando, vai ter um fôlego para poder pagar, não que deixará de pagar, mas terá um prazo”. Em seguida, ele faz um discurso motivador dizendo para que tenham mais confiança, espírito de guerreiro: "somos tudo bandido, criminoso, nós mata, nós sequestra, nós rouba. O caixa está aí, com os 20 mil, e se conseguir comprar pistolas a 3 mil, serão cinco ou sete pistolas, serão 7 irmãos com 'chuteira para jogar seu futebol'. Acreditem no Comando”, enfatiza.

Sintonias
Ainda de acordo com as denúncias do MP, para que as lideranças da organização criminosa não percam o contato e o controle sobre as células que compõem a facção, foram criadas as denominadas 'sintonias'. A fundamentação elenca as principais:

- Sintonia Geral dos Estados: responsável pela expansão e difusão da ideologia e métodos da facção nos estados;

- Sintonia Geral do Sistema: responsável pelo controle e coordenação dos membros presos, pela resolução de conflitos dentro dos estabelecimentos prisionais e pela coordenação do tráfico de drogas dentro do sistema prisional. Engloba, também, a 'Sintonia do Salve', responsável por difundir entre os presos os “salves”, ordens e mensagens emanados pelas sintonias superiores;

- Sintonia Geral da Rua ou Disciplina: responsável pelo controle e coordenação dos membros que estão em liberdade e das ações executadas fora do sistema prisional;

- Sintonia Geral dos Gravatas: responsável pelo controle das atividades dos advogados que prestam serviços à facção;

-  Sintonia Geral do Bicho Papão ou do Progresso: responsável pelo gerenciamento do tráfico de drogas dentro e fora dos presídios, bem como por ações importantes ao fortalecimento da facção, como fugas, grandes assaltos, etc;

- Sintonia Geral da Rifa: responsável por coordenar a realização de rifas periódicas e obter prêmios, visando fortalecer o “caixa” da facção. O sorteio é baseado na loteria federal e os integrantes da organização criminosa são obrigados a comprar e vender a rifa, tendo ciência dessa obrigação por ocasião do batismo;

- Sintonia Geral do Livro ou do Cadastro: responsável pelo registro dos “batismos” de novos membros, das exclusões de membros que incorreram em falta e dos “retornos” de membros que se reabilitaram.


 Elo entre facções do RN e PR
Segundo o juiz Henrique Baltazar, titular da Vara de Execuções Penais do Rio Grande do Norte, as 2 mil interceptações telefônicas, resultado de dez meses de investigações da Operação Alcatraz, contêm conversas que comprovam a existência de duas facções que ditam as regras e comandam crimes dentro e fora dos presídios do Rio Grande do Norte. As gravações também confirmam a existência de um elo entre mais de 150 presos encarcerados no sistema penitenciário potiguar e detentos do estado do Paraná.

O magistrado acredita na denúncia feita pelo MP e confirma que as duas facções instaladas no RN surgiram a partir de uma organização criminosa que nasceu em São Paulo e que depois se ramificou por praticamente todos os estados do país. "Aqui no RN começou assim. Depois esse grupo se dividiu e os dissidentes fundaram uma outra facção. As duas são rivais no Rio Grande do Norte e disputam o controle do tráfico de drogas. As duas também são responsáveis por uma vastidão de crimes que ocorrem no estado. O tráfico de drogas é o que dá mais dinheiro. É o carro-chefe dos negócios. Em consequência, e até para manter este negócio, ocorrem outros crimes, como explosões e arrombamentos a bancos, roubos a estabelecimentos comerciais e residências, furtos, sem falar em casos de execuções, homicídios que acontecem em razão da rivalidade e disputa pelo controle dos pontos de vendas de drogas", explicou.

Transferências
Henrique Baltazar acrescentou que os presos identificados estão sendo transferidos aos poucos. No Rio Grande do Norte, a maior parte das transferências ocorrerão na Penitenciária Estadual de  Parnamirim (PEP), que fica na Grande Natal, na Penitenciária Estadual do Seridó (o Pereirão), que fica na cidade de Caicó, e na Penitenciária Estadual de Alcaçuz, em Nísia Floresta, a maior unidade prisional do estado.

"Alguns devem ser remanejados para outras unidades prisionais dentro do próprio Rio Grande do Norte. Outros, os considerados mais perigosos e de maior influência dentro das facções, devem ser levados para a Penitenciária Federal de Mossoró, na região Oeste do estado, e para outras penitenciárias federais do país", afirmou o juiz.

O juiz acredita que os presos do Paraná também devem ser remanejados, o mesmo ocorrendo que alguns que foram identificados em São Paulo e na Paraíba.


 Líder
Um empresário paulista radicado em Natal, identificado como Robson Batista Marinho, é apontado como suspeito de liderar um dos esquemas de distribuição de drogas investigado pela Operação Alcatraz.

Segundo o Ministério Público, o suspeito é sócio de um salão de beleza localizado em uma área nobre da capital potiguar. As investigações indicam que ele comandava a distribuição de drogas no atacado, abastecendo a Grande Natal, além das regiões Seridó, Central e Vale do Açu. O MP acrescenta que o suspeito está envolvido em algumas das maiores apreensões realizadas neste ano no estado.

Uma das apreensões citadas pelo MP foi de 70 quilos de maconha no dia 20 de outubro em São José de Mipibu. A droga foi encontrada em um ônibus vindo de São Paulo. Outra apreensão aconteceu em Macaíba, onde foram apreendidos 20 quilos em um carro que estava a caminho da região Seridó. Nos dois casos, as prisões foram feitas pela Polícia Rodoviária Federal.

Há ainda a suspeita de que a mesma organização criminosa tenha sido fornecedora dos 100 quilos de maconha apreendidos pela Polícia Militar na cidade de Caraúbas em setembro deste ano.

  O secretário estadual da Segurança Pública e da Defesa Social, general Eliéser Girão, afirmou que muitas denúncias foram recebidas sobre a atuação do crime organizado nos presídios. "Chegamos no limite do limite. Recebemos muitas denúncias com muita gente envolvida. Não poderíamos esperar mais", disse.
Ainda de acordo com o MP, as informações colhidas nos dez meses de investigação possibilitaram a realização de 75 prisões em flagrante feitas pela Polícia Militar e Polícia Rodoviária Federal. As prisões foram efetuadas por crimes de tráfico de drogas, porte ilegal de arma de fogo e roubo.
A maior apreensão de drogas feita pela PRF no ano foi realizada a partir da investigação. Aconteceu no dia 18 de maio deste ano, na cidade de Dourados, estado do Mato Grosso do Sul, onde a Polícia Rodoviária Federal apreendeu 15,2 toneladas de maconha. O órgão ministerial afirma que parte expressiva da droga seria distribuída no Rio Grande do Norte.



Fonte: G1/RN

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